O Brasil mudou radicalmente para pior nos últimos dias. Não tem nada a ver com o dólar subir ou descer. Pouca gente reparou ou prestou atenção nos detalhes. Vamos recapitular:
- o Supremo Tribunal Federal decidiu tirar parte das investigações da Operação Lava-Jato das mãos do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba
- cada investigação irá para cidades diferentes do país, os lugares onde os delitos foram cometidos
- com isso, os réus ganham a chance de usar todos os argumentos contrários à acusação junto a outros juízes em outros estados
- esses novos juízes podem aceitar delações premiadas ou não
- os novos juízes verão apenas sua parte da operação Lava Jato, e não o todo como Moro via; isso pode dificultar as investigações
- os novos juízes julgarão delitos de políticos e de empresas justamente nos estados onde esses políticos e empresas têm mais influência
- os novos juízes terão que se familiarizar com os processos, o que fará o desenvolvimento da Lava Jato levar muito mais tempo
- esses juízes de primeira instância não têm o know-how da força-tarefa que comanda a Lava Jato, e podem não respaldar ações do Ministério Público e da Polícia Federal, por desconhecimento ou mesmo por pressão dos governos estaduais
- os processos que forem redistribuídos pelo país obrigarão o Ministério Público Federal a criar células da operação Lava Jato pelo país - Sudeste, Norte, Nordeste. Hoje são 330 servidores, concentrados em Curitiba e Brasília, onde são processados os políticos que têm direito a foro privilegiado
- os estados da região Sul são os únicos aparelhados para dar transparência ao processo, porque permitem acesso digital aos despachos. Com isso a atuação da Lava Jato passou a ser acessível à imprensa. No restante do país isso não acontecerá
- os advogados dos políticos envolvidos na Lava Jato já preparam uma chuva de liminares para redistribuir os inquéritos pelo país afora. Com isso, esperam evitar que outras pessoas ligadas a esses políticos sejam processadas por Moro - familiares, assessores, operadores
- em caso de perda de mandato por renúncia ou cassação, políticos citados na Lava Jato poderiam em tese ser julgados em outra vara que não a 13ª
O que diz Sérgio Moro sobre isso tudo: "há risco concreto de que vários desses processos caiam, nos anos vindouros, no esquecimento".
Não é só que a Lava-Jato daqui para frente tem pouca chance de punir alguém. Mesmo quem já foi julgado pode escapar. É o caso de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, preso desde 15 de abril, e condenado por Moro a 15 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
Seu advogado, Luiz Flávio Borges D´Urso, afirmou ontem que desde o início já sustentava a incompetência de Sérgio Moro para julgar Vaccari, porque o julgamento deveria acontecer é em SãoPaulo. Disse ao Estadão:"Não há razão para que tudo fique concentrado no Paraná. Até agora nossa tese não teve sucesso, mas com a decisão do Supremo abre-se um caminho.”
Para D´Urso, a consequência tem que ser a anulação do processo inteiro, porque conduzido por juiz incompetente. “Sempre que tem um juiz incompetente, seja em razão da matéria, seja em razão do local onde aconteceram os fatos, se ele é incompetente tudo o que foi feito, em tese, é nulo. Recomeça tudo no juizo competente.”
Em português claro: a Lava-Jato já era. Ou pelo menos, a Lava-Jato que o Brasil queria e precisava. Pegando pesado, pegando geral, pegando em todos os partidos, pegando os grandões. Teremos no máximo uma Operação Flanelinha... E sem gritaria da oposição. Nem podia ser diferente. Vários grandões do PSDB e do PMDB oposicionista também foram citados como corruptos nas delações premiadas.
Um repórter amigo, que sabe dos bastidores da investigação, descreveu o papel de Sérgio Moro como "estratégico" - um juiz que entende muito do lado processual, mas também do policial, e de crimes financeiros. Ele me zoou muito quando escrevi aqui, em março, um texto com o título "A Lava-Jato já acabou em pizza". Dei o braço a torcer quando esfregou na minha cara a prisão de Marcelo Odebrecht, quem diz que no Brasil rico não vai pra cadeia? Agora chegou minha vez de provocar ele. O grande estrategista foi pro escanteio.
Aleijar a Lava-Jato enterra de vez a conversa de impeachment? No jornal Valor Econômico, Maria Cristina Fernandes cravou: "o desmembramento antecipa a promessa de futuro de que o bloco do impeachment se faz portador. Os coveiros da Lava-Jato pavimentam a rota para a presidente chegar a 2018."
Mas política é uma coisa e economia é outra. Treze anos atrás, quando se batia dia e noite em Lula por causa do Mensalão, todas as classes celebravam o período de bonança. Agora é o contrário. As maiores empresas do Brasil estão muitíssimo mal das pernas. Têm dívidas impagáveis com os bancos, e muitas delas em dólar. Todos os indicadores sociais vão cair, até onde podemos ver.
Trocar Dilma e não trocar de política econômica não vai melhorar a vida do brasileiro em nada. Arrisca até piorar. Quem sabe que tipo de novo presidente um impeachment poderia trazer? Aventureiros no Brasil não faltam. Mas a ilusão de mudança pode ser intoxicante. Junho de 2013 está aí para nos lembrar.
Essa crise é a que importa. E está só começando.